3 de mar. de 2012

Daruma, o gato e a concha III

Osho levantou uma questão muito pertinente: que a vida é infelicidade, sofrimento e completo fracasso – ainda assim por que somos relutantes em retornar ao céu de nosso lugar nativo?
E ele comenta: Quando a vida é um tal fracasso, as pessoas deveriam facilmente começar a se voltar para dentro, mas esse não é o caso.
E há um estranho mecanismo funcionando. Minha própria observação é que, se a vida não fosse um tal sofrimento, as pessoas iriam mais facilmente para dentro; devido à vida ser um tal sofrimento, elas ficam com mais e mais esperança.
Para negar o sofrimento, elas criam esperanças maiores.
Esse estranho fenômeno precisa ser entendido. Sempre que você está sofrendo, precisa de um grande sonho para sair disso, de uma grande esperança, algum tipo de inspiração, alguma visão do futuro, algum paraíso em algum lugar, de tal modo que você possa se integrar novamente e saltar para fora da infelicidade.
É assim que as pessoas seguem em frente, distanciando-se delas mesmas.
Observe as pessoas e a si mesmo; é muito difícil abandonar a infelicidade, muito difícil. A pessoa se apega a ela. Não existe mais nada?
Observe que há duas alternativas disponíveis para você. Uma é: seja vazio, e não haverá infelicidade nem alegria; e a outra é: não seja vazio, seja alguém, algo, mas você terá que sofrer, e a infelicidade estará presente.
E você sempre escolherá a infelicidade em vez do vazio.
O vazio amedronta as pessoas mais do que a infelicidade. E o cerne é o vazio. O nada apavora mais as pessoas do que o sofrimento.
Ninguém quer ser um nada – e nossa natureza mais íntima é nada, daí não podermos aceitá-la. Ficamos procurando, tentando nos tornar alguém, algo. E, se não pudermos ter alegria, pelo menos podemos ter pesar; se não pudermos ter prazer, podemos nos apegar à agonia. Contudo, há um consolo: pelo menos há alguma coisa a que se apegar, não somos apenas vazio.
É por isso que as pessoas são tão relutantes.
Observo todos os dias... Casais estão infelizes, mas não estão dispostos a se deixarem. Pelo menos a vida parece estar preenchida – preenchida de infelicidade, mas pelo menos preenchida; de veneno, porém a xícara está cheia. Uma xícara vazia, nem mesmo veneno para enchê-la, parece ser mais difícil de aceitar.
A mulher sente que ficar sozinha será mais difícil do que ficar com um homem que simplesmente cria infelicidade para ela e nada mais. E o homem acha que ficar sozinho nas noites escuras, sem ninguém por perto, será uma infelicidade maior do que estar com a mulher que lhe pega no pé e que o enlouquece.
Pelo menos existe alguém para pegar no pé dele, para deixá-lo nervoso, para temer, para escapar... Pelo menos há alguém.
Percebo esses casais infelizes, eles dizem que se sentem infelizes, e estão assim por cinco, sete, dez anos, e nem mesmo por um único dia houve felicidade, e eles estão cansados e deprimidos.
Todavia quando lhes digo para se separarem... É tão simples! Por que criar infelicidade um ao outro? E eles dizem: “Não, não podemos nos separar ou nos deixar”. Então, de repente, eles começam a pensar que se amam. Isso é estranho!
Se vocês se amam, então por que criam infelicidade para o outro? No entanto, no momento em que alguém sugere a separação, de repente surge um grande desejo e uma grande compreensão: “Não, eu a amo e ela me ama muito”.
E eles começam a pensar nos dias e nas belezas que nunca existiram, e começam a ter novamente esperança de que talvez amanhã as coisas sejam diferentes.
Abandonar a esperança é se tornar religioso. Atingir a desesperança espiritual é ficar livre da infelicidade. Quando a esperança se foi completamente e você a viu em detalhes e a abandonou, a desesperança também desaparece espontaneamente. Você é deixado sem esperança e sem desesperança – e a pureza disso, a bênção disso...
E somente nesse instante a pessoa vem a conhecer o seu céu interior: ele é vazio como o céu. E este é nosso lugar nativo, é daí que viemos e para onde deveríamos ir e ficar. Estar nesse estado é estar sem sofrimento e agonia.
Lembre-se disso: o prazer sempre desaparece; assim sempre temos que procurá-lo. Este é o pecado original. Não prove uma maça, pois você vai ter que procurar outra imediatamente depois, e então não haverá fim nisso. Uma coisa leva a outra, e se torna muito difícil voltar pra casa. Você investiu em tantas coisas que fica praticamente impossível sair dessas confusões.
A pessoa religiosa é aquela que não está emaranhada em lugar nenhum, que não tem esperança, que não tem futuro, que não vive nos amanhãs, que vive no agora, no aqui.
E perceba: eu disse no começo que a vida é uma jornada de lugar nenhum para lugar nenhum. Com a pessoa religiosa a vida se torna uma jornada de lugar nenhum para o aqui e agora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sua opinião é importante para mim. Deixe sua mensagem.