9 de nov. de 2016

Vindo da estrada esburacada I



Guiado pela respiração, penetre a concha do seu corpo físico e procure deixar sua mente pra trás. A razão precisa ser perdida e abandonada.
Somente indo além da mente a pessoa começa a entender aquilo que é.
Lentamente nosso mundo se tornou rudimentar. A linguagem mais profunda – a poesia – perdeu seu significado para nós. Mas a poesia tem uma maneira indireta de insinuar coisas; ela é feminina e a prosa é masculina. A própria estrutura da prosa é lógica e a poesia é basicamente ilógica. A prosa tem de ser precisa e a poesia tem de ser vaga – esta é a sua beleza, a sua qualidade. A prosa é necessária no mundo do dia a dia, no mercado, mas, sempre que algo do coração precisa ser dito, a prosa constantemente se revela inadequada – a pessoa precisa recorrer a poesia.
Sendo assim, a prosa se tornou muito predominante em razão de ser utilitária, e a poesia logo desapareceu por não ter utilidade. A poesia é necessária somente quando se está amando, quando se fala de amor, de morte, de oração, da verdade, de Deus – mas essas não são comodidades, não são vendidas no mercado nem compradas.
Lentamente o mundo se tornou linear, e a outra linguagem, a mais profunda, perdeu seu significado para nós. E devido ao desaparecimento da poesia, o ser humano se empobreceu muito – pois todas as riquezas são do coração. A mente é muito pobre, é uma mendiga; ela vive através do trivial, do comum. O coração é uma abertura para as profundezas da vida e da existência, para os mistérios do cosmos.
E a mente moderna foi treinada pela ciência, daí a religião ter ficado praticamente fora de moda e se tornado coisa do passado. Parece não haver futuro para a religião.
Freud declarou não haver futuro para a ilusão chamada religião. Mas, se não houver futuro para ela, também não haverá futuro para o ser humano. A ciência vai destruir a humanidade, pois a humanidade só pode viver somente através do poético, do metafórico. A vida adquire significado unicamente por meio do coração do coração, e o ser humano não pode viver só pela mente, pelo cálculo e pela matemática. A matemática pode servir, porém não pode ser a mestra; a cabeça pode somente ser uma serva, e como serva ela é muito útil, mas é perigosa e fatal quando pretende se tornar a mestra.
A linguagem da ciência objetiva vive no mundo dos fatos; as coisas são como são. Um é um, dois equivale a dois e morto é morto. Este é o mundo dos fatos – monótono e morto, estagnado.
É impossível viver apenas no mundo dos fatos, pois assim, você nunca será capaz de relaxar. Como a pessoa pode viver nos fatos? Ao viver neles a vida começa a ficar sem sentido.

É bom termos esta linguagem, a dos fatos, da prosa. É verdade que nosso mundo não pode ficar sem ela; ela é necessária, mas não pode ser o objetivo da vida. Nunca usamos a prosa quando desejamos abrir nossos corações e dizer o que realmente está dentro de nós, oculto...

Certamente é pobre uma pessoa que não sentiu a inadequação da linguagem comum. Isso simplesmente revela que ela nunca sentiu amor, nunca teve um momento meditativo e não conheceu o êxtase. Seu coração não palpita mais... E isto significa que ela não experimentou nenhum mistério da vida e que não vive realmente. Do contrário, como evitar os mistérios? Isso significa que ela nunca viu a lua cheia na noite, nunca viu a beleza e o esplendor dos olhos humanos, nunca gargalhou, nunca chorou e não sabe o que significam as lágrimas. Isso revela que essa pessoa é um robô, não um ser humano, ela é apenas uma máquina.
Um ser humano é um ser humano somente à medida que vive em uma necessidade suprema – a necessidade de celebrar, de manter um diálogo com as estrelas, com o oceano... A necessidade de dar as mãos, de se apaixonar, de dançar e cantar. A linguagem comum não pode preencher esta necessidade suprema.
Se você abandonou o mundo vago do coração, dos sentimentos, das sensações, das emoções e do êxtase, então naturalmente você está fechado para Deus. Estar vivo no que se refere a Deus é penetrar a poesia.
Você já viu Khajuraho, Konarak e outros belos templos da Índia? As velhas escrituras afirmam que na entrada de cada templo deveria haver uma estátua ou uma escultura de amantes. Essas escrituras mencionam esse fato para os arquitetos dos templos – que isso é uma necessidade. Na entrada de cada templo, na porta, deve haver pelo menos um casal em maithuna – em orgasmo, em profundo amor, em grande êxtase.
Por que na porta? Porque a menos que você conheça o amor, não pode conhecer a ponte entre o ser humano e Deus. E a porta é um símbolo; ela é a soleira entre o mundo da mente e o da não mente. É o amor que faz a ponte entre o mundo da mente e o da não mente, e é somente através do amor que conhecemos os mistérios orgásticos da vida.
Isso é muito significativo. As pessoas têm evitado isso; elas são muito moralistas e estúpidas, mas a prescrição antiga é de grande significado: somente o amor pode ser a entrada, pois só ele tornará viva a sua poesia.
E a poesia é a ponte de arco íris entre o ser humano e Deus, entre o ser humano como mente e Deus como mistério; entre o mundo da mente e o da não mente.
Esta é a abertura, a porta, a entrada.
Então, silenciosamente, procure sair da superfície, onde encontra-se a sua mente, e mova sua atenção em plena quietude para dentro do seu coração....

Texto publicado em junho de 2011 e modificado em novembro de 2016

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