1 de mai. de 2013

O inútil I



A vida é dialética – é o movimento do espírito, um método muito eficaz para aproximar as ideias individuais às ideias universais. É por isso que não é lógica. Lógica significa que o oposto é de fato oposto, mas na vida, o oposto não é realmente o oposto, é o complementar. Sem ele nada é possível.
Por exemplo, a vida existe por causa da morte. Se não houver morte não pode haver vida. A morte não é o fim e a morte não é o inimigo – em vez disso, pelo contrário, por causa da morte a vida torna-se possível.
Existe a luz, existem as trevas. Para a lógica eles são opostos, e a lógica vai dizer: Se há luz, não pode haver escuridão; se estiver escuro, então não pode haver luz. Mas a vida diz exatamente o contrário. A vida diz: Se há luz é por causa das trevas. Podemos não ser capazes de ver o outro, mas ele está escondido ao virar a esquina.
Há silêncio por causa do som. Se não houver som, você pode ficar em silêncio? Como você pode ficar em silêncio? O oposto é necessário como um pano de fundo. Aqueles que seguem a lógica sempre erram, porque a sua vida torna-se desequilibrada. Eles pensam na luz, então começam a negar a escuridão; eles pensam na vida, então começam a brigar com a morte.
Só as mentes pequenas são coerentes, quanto mais estreita a mente, mais coerente ela é. Quando a mente é muito vasta, ela envolve tudo – a luz está lá, a escuridão está lá. Deus existe e o diabo também, em toda a sua glória.
Se você entender esse processo misterioso da vida, que se move através dos opostos, que é dialético, em que o oposto ajuda, dá equilíbrio, dá o tom, serve de pano de fundo, então você pode entender Chuang Tzu – porque toda a visão Taoista é baseada na complementariedade dos opostos.
O oposto se torna o imã, ele puxa você; o oposto o traz para fora de si mesmo, o oposto quebra a sua prisão, o oposto faz com que você seja vasto. E sempre que o oposto é negado, é um problema. E é isso que temos feito, por isso há tantos problemas no mundo.
O homem tentou criar uma sociedade que é basicamente masculina, e por isso há tantos problemas – a mulher tem sido negada, ela foi jogada fora.
Por isso, o mundo ficou feio, porque como você pode negar o oposto? Todo o equilíbrio se perdeu. O mundo enlouqueceu. O homem domina, é por isso que há tanta infelicidade. Quando uns dos polos opostos domina, haverá infelicidade porque o outro se sente magoado e haverá vingança.
Por que é que a mulher está sempre em conflito? Não é a pessoa, não é uma coisa pessoal. É a vingança do feminino, do oposto negado. E este homem na casa, o marido, é o representante de todo o mundo masculino, o mundo machista. Ela está lutando.
O oposto deve ser incorporado. Negando isso, convidamos os problemas e, em cada caminho, em todos os níveis, em todas as dimensões, é a mesma coisa. Se você negar o inútil, então não haverá nada de útil no mundo.
Por exemplo, se uma criança está brincando você diz: “Pare! O que você está fazendo? Isso é inútil. Faça algo útil. Aprenda, leia, pelo menos faça a sua lição de casa, algo útil. Não fique por aí, como um vagabundo”. Se você continuar insistindo com essa criança, aos poucos você vai matar o inútil.
Então a criança vai se tornar apenas útil e, quando uma pessoa é apenas útil, ela está morta. Você pode usá-la, ela é uma coisa mecânica, um meio e não um fim em si mesmo.
Perceba... Você é realmente você mesmo quando está fazendo algo inútil – pintura, não para vender, apenas por prazer; jardinagem, apenas por prazer; deitado na praia, sem fazer nada, apenas para desfrutar, diversão inútil; sentado em silêncio ao lado de um amigo.
E muito poderia ser feito nesses momentos, porque esses momentos não vão voltar. E as pessoas loucas dizem que tempo é dinheiro – porque só conhecem uma maneira de usar o tempo – como convertê-lo em mais e mais dinheiro. No final, você morre com um belo saldo bancário, mas por dentro totalmente pobre, porque a riqueza interior só surge quando você sabe apreciar o inútil.
E o que é meditação? As pessoas vêm até mim e dizem: “Qual é a utilidade dela? O que vamos ganhar meditando? Qual a vantagem disso?"
Meditação... E você pergunta sobre a vantagem? Você não pode entendê-la porque a meditação é simplesmente inútil. No momento que digo inútil, você se sente desconfortável, porque toda a sua mente se tornou tão utilitária, tão orientada para a mercadoria, que você precisa de um resultado. Você não pode admitir que algo possa ser um prazer por si só.
Inútil significa que você aprecia, mas não ganha nada com isso; você se deixa absorver profundamente, isso lhe dá felicidade.
No mundo existem dois tipos de pessoas: as utilitaristas – elas se tornam cientistas, engenheiros, médicos. Então, há o outro caminho, complementar – os poetas, os vagabundos, os renunciados – inúteis, não fazem nada de útil.
Mas eles dão o equilíbrio, dão a graça ao mundo. Pense num mundo cheio de cientistas e sem nenhum poeta – seria absolutamente feio. Pense num mundo com todos nas lojas, nos escritórios, e nem um único vagabundo. Seria o inferno. O vagabundo dá beleza.
Essas pessoas dão beleza ao mundo, são um perfume. Um Buda é um vagabundo, um Mahavira é um vagabundo.
Sempre que o mundo fica utilitarista demais, você cria muitas coisas, você possui muitas coisas, você se torna obcecado pelas coisas -, mas o mundo interior está perdido, porque o interior pode florescer somente quando não há nenhuma tensão externa, quando você não está indo a lugar algum, apenas descansando. Então o interior desabrocha.
Então, nesse momento, olhe pra dentro e ouça...
Ouvir é diferente de ficar apenas em silêncio; ouvir é uma passividade alerta, que está a espera de algo, sem dizer nada, mas esperando com todo o ser – tem uma intensidade...
Mas ouvir é absolutamente inútil; e ouvir o desconhecido? Você não sabe onde ele está. O silêncio é inútil, falar parece útil - algo pode ser feito por meio de conversas, se você estiver fazendo muitas coisas no mundo.
E o mestre Chuang Tzu diz: A religião começa quando você compreende a futilidade de fazer, então você passa para o extremo oposto do não fazer, da inatividade, do tornar-se passivo, de tornar-se inútil.

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